Entenda os riscos, funcionalidades, efeitos e contraindicações da cloroquina e da hidroxicloroquina, defendida pelo presidente Jair Bolsonaro no combate à covid-19
Um dos pivôs para a saída de dois ministros da Saúde, o uso da cloroquina no combate à covid-19 no Brasil é tema de discussão em todo o mundo. A droga é amplamente defendida pelo presidente Jair Bolsonaro no tratamento da doença, mesmo sem ter ainda sua eficácia cientificamente comprovada. Em 20 de maio, o Ministério da Saúde publicou um documento que permite o uso da cloroquina, mesmo em estágios iniciais da doença, em pacientes infectados pelo novo coronavírus no sistema público de saúde. Ao todo, o País já tem mais de 300 mil infectados, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, e registra mais de 30 mil óbitos.
No último dia 22, a revista The Lancet publicou a maior pesquisa já realizada sobre os efeitos que a droga pode ter no tratamento da covid-19. O levantamento, que está em auditoria, apontou que ela aumenta em até 45% o risco de morte e em até 411% o risco de arritmia cardíaca grave em pacientes comuns. Nos EUA, a Food and Drugs Administration (FDA), agência reguladora equivalente à Anvisa brasileira, também já recomendou cuidados com o uso da substância fora do ambiente hospitalar.
O Estadão reúne neste material a composição das drogas e os riscos e as indicações da cloroquina e da hidroxicloroquina aos pacientes com coronavírius.
1) O que é a cloroquina?
A cloroquina é um medicamento sintetizado a partir do estudo da ação dos alcalóides contra alguma doenças, como a malária.
2) Como a cloroquina age no organismo?
"A cloroquina e a hidroxicloroquina fazem um verdadeiro passeio no corpo humano, resultando em características farmacocinéticas complexas", explica Adriano Andricopulo, professor titular da Universidade de São Paulo e diretor executivo da Academia de Ciências do Estado de São Paulo (Aciesp). Na atividade antimalárica, que foi o primeiro uso indicado da cloroquina, ela tem relação com o acúmulo da substância dentro do vacúolo digestivo do protozoário que causa a doença. Muitas vezes, esse parasita infecta as hemácias (glóbulos vermelhos do sangue) e se alimenta da hemoglobina. O grupo m, uma parte da molécula da hemoglobina, é tóxico para o parasita, que tem mecanismos para transformar isso em uma substância não-tóxica.
"A Cloroquina, no tratamento da malária, bloqueia esses mecanismos de proteção do parasita, fazendo com que ele acumule substâncias tóxicas e morra", explica Ana Paula Herrmann, professora do Departamento de Farmacologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Entretanto, ela observa que essa ação também pode ser danosa ao organismo do paciente. "Ao mesmo tempo, ela se acumula em compartimentos das nossas células e em diversos locais do nosso organismo."
Já nas doenças autoimunes, a ação da cloroquina tem a ver com a inibição de vias de estabilização inflamatórias, que dependem dos ambientes ácidos de alguns compartimentos intracelulares, onde a cloroquina vai se acumular. Esses acúmulos, Ana Paula explica, também acontecem em lugares indesejados, como o coração. "A cloroquina e a hidroxicloroquina acabam interferindo com as propriedades elétricas das células cardíacas e isso pode predispor arritmias cardíacas que são fatais. Também pode acumular nos olhos, levando à cegueira; na orelha interna, causando zumbido; e em vários outros lugares. Quanto mais tempo ela for tomada, mais ela se acumula no organismo."
3) Qual é a composição da cloroquina?
Quimicamente, a cloroquina (CQ) e a hidroxicloroquina (HCQ) pertencem à classe das 4-aminoquinodinas. Elas possuem estrutura central aromática comum, com um cloro na posição 7, ligada às respectivas cadeias laterais básicas. A forma molecular da cloroquina é: C18H26CIN3, com massa molar de 319,9 g/mol. Já a fórmula da hidroxicloroquina é , com massa molar de 335,9 g/mol.
A CQ e a HCQ são administradas como difosfato e sulfato, respectivamente, em suas formas racêmicas, ou seja, em misturas equimolares de seus respectivos enantiômeros, R e S (Figura 1).
A forma como esses medicamentos são absorvidos no corpo do paciente, entretanto, varia de acordo com uma série de proteínas e mecanismo presentes em cada organismo. "A eficácia, segurança e interações medicamentosas dessas substâncias estão diretamente ligadas às suas estruturas químicas e ao metabolismo estereosseletivo mediado pelas enzimas do citocromo P450", explica o professor Andricopulo.
4) Quais os efeitos colaterais da cloroquina?
"Existe uma dose-limite para o uso da cloroquina e, acima disso, ela pode ser uma substância perigosa", observa Gildo Girotto, professor do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas. Alguns dos efeitos colaterais já observados em pacientes que tomaram a cloroquina incluem retinopatia, que pode levar à hemorragia e vazamento de líquido da retina; a neuropatia, podendo causar dor, formigamento e dormência devido a danos nos nervos do corpo; a miopatia, resultando em fraqueza muscular; e alterações cardíacas graves.
5) O que os médicos dizem sobre a cloroquina?
No último dia 28, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Saúde e a Federação Nacional dos Farmacêuticos apresentaram ação no Supremo Tribunal Federal cobrando a suspensão do protocolo elaborado pelo Ministério da Saúde. No texto, as duas entidades afirmam que a orientação do governo é baseada em dois estudos iniciais que já foram descartados por não apresentarem eficácia contra a covid-19. Uma semana antes, o Conselho Nacional de Saúde também havia pedido a suspensão dos medicamentos no tratamento em pacientes com sintomas leves da doença.
6) O que dizem as instituições médicas sobre a droga?
Em decisão recente, o Conselho Federal de Medicina (CFM) autorizou o uso da cloroquina ou hidroxicloroquina no tratamento de pacientes da covid-19. Entretanto, a Sociedade Brasileira de Infectologia, a Sociedade Brasileira de Pneumologia e a Associação de Medicina Intensiva Brasileira publicaram documento conjunto com diretrizes para o enfrentamento da pandemia e se posicionaram contrárias ao uso do medicamento como tratamento de rotina da doença.
Durante coletiva de imprensa realizada em 20 de maio, a Organização Mundial da Saúde (OMS) também destacou que não há eficácia comprovada do medicamento contra a covid-19 e alertou para a gravidade de seus efeitos colaterais. A OMS chegou a suspender um estudo clínico com a substância, mas anunciou a retomada das pesquisas nesta quarta-feira, 3.
7) O que prega o governo brasileiro sobre a cloroquina?
Em documento divulgado no dia 20 de maio, o Ministério da Saúde passou a recomendar a cloroquina para o tratamento de todos os pacientes com a covid-19, desde os primeiros sinais da doença. "A prescrição de todo e qualquer medicamento é prerrogativa do médico", informa o texto. A decisão alerta para a necessidade de confirmação laboratorial e radiológica antes do tratamento. Inicialmente, o documento do ministério não estava assinado por nenhum especialista da área.
8) Antes da covid-19, quem usava a cloroquina e para quê?
Até então, as indicações aprovadas pelas principais agências reguladoras mundiais (FDA, dos Estados Unidos; EMA, da Europa; e Anvisa) para o uso da cloroquina e para hidroxicloroquina eram apenas para o combate à malária e doenças autoimunes, como artrite reumatóide e lúpus.
9) Quem não pode usar a cloroquina e por quê?
Girotto explica que a principal contra-indicação da cloroquina é para pacientes com histórico de problemas cardíacos. "Ela pode agravar esse quadro ou causar um ataque cardíaco em quem já tem essa propensão", observa. Em nota, a Sociedade Brasileira de Arritmias Cardíacas também aponta que o medicamento não é recomendado para pacientes com epilepsias, doenças hepáticas, distúrbios gastrointestinais, neurológicos e sanguíneos, ou com psioríase.
10) Em quais remédios há cloroquina?
A hidroxicloroquina é encontrada como sulfato de hidroxicloroquina (Reuquinol), da Aspen Farmacêutica. "Ela praticamente domina o mercado desse medicamento no Brasil", observa Andricopulo. Já a cloroquina é encontrada como disfosfato de cloroquina (Quinacris), do laboratório Cristália.

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